O Umbral

Larissa Janelli
4 min readOct 4, 2024

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Hoje, sinto-me estagnada em um limbo, flutuando entre a pessoa que fui e aquela que desejo me tornar. Como se eu fosse uma alma errante à deriva, tentando atravessar o Umbral, mas sendo constantemente barrada por questões do passado que nunca foram totalmente resolvidas. Esse conflito interno me faz sentir como se estivesse presa em um ciclo sem fim, onde a esperança de avançar se choca com as correntes invisíveis que me mantém atada ao que já foi.

Esse apego profundo também me cerca de fantasmas e demônios que habitam minha mente. Só que, em vez de me atormentar, eles acariciam as minhas feridas, trazendo à tona lembranças e inseguranças que não consigo ignorar. A presença deles é ao mesmo tempo reconfortante e dolorosa. É como se sussurrassem o tempo todo no meu ouvido tudo aquilo que não consigo deixar para trás.

Foto: Freepik

O peso do meu relacionamento falido talvez seja o mais assustador desses monstros. Muitas vezes, sinto como se estivesse sozinha, sendo a única a lutar contra ele para manter tudo de pé. Desde as responsabilidades da casa até as dinâmicas desgastadas entre a gente. Sempre sou eu quem tenta manter o diálogo, ajustar expectativas e fazer o esforço emocional necessário para que algo funcione. A ideia de que uma relação deve ser uma parceria parece cada dia mais distante. Isso me prende a uma rotina exaustiva, onde me pergunto constantemente por que continuo lutando por algo que claramente não é recíproco.

Além de todo esgotamento, a dor dessas expectativas não correspondidas reverbera na minha autoestima, afetando a maneira como vejo a mim mesma e todas as minhas possibilidades. Não me sinto amada, nem desejada. Sinto-me apenas como uma presença confortável, uma “boceta útil” que mantém a casa em ordem para que o outro possa trabalhar em paz. Estou sempre fazendo ajustes para dar conta de tudo e me fazer caber na vida do outro, mas nunca vejo o contrário.

Além disso, também tem a minha relação com a cidade que eu vivo.

Minha morada em São Paulo, que um dia foi um símbolo de novas oportunidades, agora se tornou uma fonte de estresse e insustentabilidade. As paredes que deveriam oferecer abrigo sentem-se mais como uma prisão, lembrando-me constantemente de tudo que não deu certo. Essa insegurança material se reflete na minha vida emocional, como se cada tarefa simples se tornasse um desafio monumental. Finalizar trabalhos ou até mesmo responder mensagens se transformou em uma luta diária, um reflexo do caos interno que estou enfrentando.

Além disso, a solidão de estar distante da família e de amigos é também visceral. Vejo o desenho da linha que nos une se apagando cada vez mais a cada dia que passa. Sintoque sou como uma personagem cada vez mais secundária em suas vidas, aparecendo apenas em episódios especiais de Natal — e se apareço.

A profundidade dessa solidão é agravada pela sensação de não pertencer ao lugar onde vivo. As histórias, vivências e a cultura que me cercam parecem não ressoar comigo. É como se estivesse vivendo uma vida de aparências, vestindo uma máscara para me adaptar a uma realidade que não é minha. Vivo uma existência de aparências, vestindo uma máscara que não me representa, como se fosse uma estrangeira em minha própria vida.

Vim para esta cidade apostando no crescimento da minha carreira, mas, de verdade, sinto que só andei para trás. As experiências do desemprego e dos trabalhos abusivos deixaram cicatrizes profundas. É como se ainda estivesse me recuperando daquele tempo, sempre em alerta para não cair no mesmo ciclo.

Atualmente, estou no meu emprego apenas porque ele oferece o mínimo de segurança, ainda que seja com um salário que não reflita meu nível profissional. Não sinto engajamento com minhas atividades e tampouco vejo um futuro para mim dentro daquela empresa. Estou ali apenas por inércia. Mudar é aterrorizante; mesmo sabendo, no fundo, que não há evolução por esse caminho, tenho medo de fazer novas apostas e perder o pouco que tenho.

O receio de ficar desempregada ou de me aventurar em um novo emprego gera um ciclo de estagnação que me prende em um estado de paralisia. Essa incerteza não é apenas sobre a mudança de uma posição, mas sobre a reconfiguração de quem sou e do que quero me tornar. O medo transforma-se em um véu que obscurece minha visão, dificultando a clareza necessária para seguir em frente.

Cheguei a esta cidade com a expectativa de crescer, mas agora percebo que estou retrocedendo, sempre carregando o trauma do desemprego e das experiências abusivas que vivi. O receio de ficar desempregada ou de me aventurar em um novo emprego gera um ciclo de estagnação que me prende em um estado de paralisia. Essa incerteza não é apenas sobre a mudança de uma posição, mas sobre a reconfiguração de quem sou e do que quero me tornar. O medo transforma-se em um véu que obscurece minha visão, dificultando a clareza necessária para seguir em frente.

Ultimamente, parece que eu tenho vivido um estado de dormência, assistindo minha vida ruir diante dos meus olhos, mas sem forças para interagir com ela de maneira significativa. Não sei como soltar as amarras do que já não faz sentido. Como posso articular meu eu interior em meio a tantas camadas de questões não resolvidas?

Sempre que alguém me pergunta o que realmente quero da vida, não sei como responder. O que sei é que não me reconheço e que não tenho a menor ideia de quem quero ser. Essa busca por um propósito se transforma em um labirinto de incertezas, onde cada pergunta sem resposta se torna um eco de um eu que se sente perdido.

A inércia que enfrento é, em parte, uma resistência a deixar ir aquilo que já não me serve mais, como se estivesse segurando as rédeas de um passado que não me traz mais satisfação, enquanto uma voz interna clama por liberdade e renovação.

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Larissa Janelli

Designer em horário comercial e TDAH o tempo todo. Também gosto de escrever, estudar e pular corda.