Pia de louça acumulada
Alguns sentimentos são como uma pia de louça num fim de semana frio. Simplesmente não queremos lidar. Procrastinamos, fingimos que não está ali. Deixamos que se acumule, até que se esgote os copos, pratos, panelas.
Algumas vezes, alguns sentimentos nos atravessam da mesma maneira. Ou melhor, não atravessam. Deixamos ele conosco. Guardado. Empacado. Deixamos que ele faça morada em nós porque simplesmente não queremos lidar com eles. Seja uma tristeza, uma saudade… Um luto de algo que ainda não estamos preparados para superar.
Às vezes, lidamos apenas com o necessário. Lavamos um copo ou outro para que possamos beber algo. Ou simplesmente buscamos caminhos alternativos para dificuldades maiores, como pedir delivery para não ter que lidar com as panelas.
Em certas ocasiões, chegamos até elaborar certos atalhos para fingir que está tudo bem. Como saciar a sede numa taça de cristal, que antes estava guardada na cristaleira. Longe. Inacessível. Ou saciar o desejo com pessoas emocionalmente comprometidas com outras. Sem vínculos. Satisfazendo apenas uma necessidade carnal.
Ainda assim, acabamos por gerar mais louça. E a pilha cresce cada vez mais.
O que antes parecia difícil, se assemelha cada vez mais ao impossível. De repente, nós temos mais louça que o nosso escorredor é capaz de sustentar. Mais mágoas que o nosso coração é capaz de digerir. E seguimos querendo simplesmente não lidar.
Mas em algum momento precisamos. Uma hora temos que pôr as mãos nuas na água fria. Elaborar estratégias para lavar tudo o que está ali. Lavar, escorrer, secar, guardar. Chorar, gemer, gritar, soluçar. Lidar com todo passado acumulado, com restos grudados que se tornaram mais resistentes com o tempo. Há de esfregar, há de limpar, há de deixar ir.
Há de ter a louça limpa toda de novo. Até a próxima refeição. Ou até o próximo amor. Onde iremos sujar tudo mais uma vez.
“Lave os pratos sempre sorrindo e cantando porque se estão sujos é porque tínhamos o que comer.”
