Só morre quem tem coragem

Larissa Janelli
3 min readDec 15, 2022

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“Só morre quem tem coragem.” Meu pai me falava isso quando eu era menor e queria encarar a imensidão do mar. Criança tem disso, né? Uma coragem extrema para desbravar o mundo e nenhuma noção do perigo.

Quando pequenos, podemos facilmente acreditar que entrar no mar revolto é igual brincar numa piscina de plástico, só que numa proporção muito maior. Talvez porque, até então, só existam na nossa experiência registros de sentimentos prazerosos ao brincar na água. Não conseguimos perceber nada que se compare ao perigo de se afogar ou ser levada pela correnteza.

Eu, novinha, era assim. Até que, um dia, entrei no mar e fui levada para o fundo. Percebi quando tentei tocar o chão e não dei pé. Uma onda de desespero tomou conta do meu corpo. Foi preciso fazer um esforço danado para voltar à beirada. Senti a adrenalina sendo combustível para cada braçada contra a corrente, enquanto remava, de maneira exaustiva, tentando retornar à praia. Então, entendi o que meu pai estava falando: eu poderia ter morrido afogada ali.

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Essa frase, que ouvi tantas vezes de papai, me ocorreu quando comecei a pensar na minha retrospectiva de 2022. Foram incontáveis altos e baixos, como uma maré que sobe e desce. Hoje, mesmo a quilômetros do litoral, sinto como se estivesse dentro daquele mar. Ondas grandes que não param de vir. Uma atrás da outra. E eu, sem dar pé, tentando me sustentar entre braçadas e mergulhos para não afogar.

Confesso que, nesse final de ano, as coisas não estão boas. Num balanço geral do momento presente, nunca estive tão longe de conseguir pôr os meus pés no chão. A cada dia que passa, me sinto mais cansada e aflita. Como se estivesse em alto mar e a correnteza não me desse trégua. Cada vez mais longe da terra e sem fôlego para respirar.

São muitos sentimentos de frustrações que nos acompanham quando a gente se percebe numa situação assim: completamente esgotada e tendo que lidar com uma lista de problemas que só cresce. Principalmente, quando tentamos buscar algo positivo para se agarrar e percebemos também que o cenário não nos favorece.

Às vezes, ouvir a voz dos nossos cuidadores num momento como esse, caótico, de muita dúvida e aflição, soa como uma confirmação do nosso fracasso. Como se eles tivessem total clareza dos perigos da vida e nós regressássemos àquele lugar de inocência, como crianças birrentas e desobedientes. Falhamos. E eles estavam tentando nos avisar. Não bastou papai ter me alertado sobre os perigos, eu precisei me colocar em situações de risco para assimilá-las dessa forma. No mar e na vida.

Mas, dessa vez, eu pego as palavras de meu pai não como um sermão, mas um afago. Se entrei no mar foi porque tive coragem. Portanto, hoje olho minha trajetória não buscando apontar falhas, mas reconhecendo o quanto fui corajosa para mergulhar de cabeça em cada desafio. Posso não ter tomado as melhores decisões, mas tomei todas com muita bravura.

Realmente, pai: só morre quem tem coragem. Mas também só morre quem está vivo. E para viver é preciso, antes de tudo, ter muita coragem.

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Larissa Janelli

Designer em horário comercial e TDAH o tempo todo. Também gosto de escrever, estudar e pular corda.