Veículo em pane na estrada

Larissa Janelli
3 min readDec 29, 2022

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O fim do ano chegou. Com ele, surge aquela necessidade coletiva de rever a nossa trajetória ao longo do calendário, buscando relembrar e celebrar nossas experiências e conquistas. E, UAU, que ano incrível! Se eu pôr na ponta do lápis tudo aquilo de bom que vivi e conquistei ao longo do itinerário, não faltou trabalho, projetos, viagens e comemorações. Foi um ano repleto de aventuras e motivos para me orgulhar.

Inclusive, uma das coisas que mais ouvi nesse ano foi o quanto eu fui forte. “Você é forte”, “você é foda”, “você é corajosa”, me repetiam sempre. E reconheço que essas palavras foram força motriz para que eu continuasse em frente. Abracei um mundo inteiro e todo resto que estivesse pelo caminho, confiando minha força e persistência.

“Eu dou conta!”, também repeti isso pra mim mesma. O tempo todo. Inúmeras vezes. Até que um dia, eu não dei e não tive mais força para seguir adiante na estrada. Me percebi como um veículo em pane, parado no acostamento, sem combustível, na esperança de um reboque. Já não tinha mais fôlego para continuar seguindo em frente, mas, ainda assim, continuei empurrando tudo o que estava comigo o máximo que conseguia.

As pessoas seguiam dizendo “você é forte”, “não desista”, “olha para tudo o que você deu conta até aqui”. Mas, dessa vez, essas palavras só tornaram o carro mais pesado. Me senti frustrada, incapacitada, insuficiente. E, então, passei a me perceber como uma fraude. Já não tinha mais o controle do volante. Já não me enxergava mais como essa pessoa forte que tanto repetiam que eu era. O que aconteceu com ela? O que aconteceu comigo?

Photo by Viktoriya Akhmedova on Unsplash

Eu poderia fazer deste um texto sobre burnout. Poderia contar sobre todas as vezes que desabei em choro e tremedeira após o expediente por cansaço e exaustão. Poderia ir adiante e também fazer uma crítica sobre como o capitalismo neoliberal suga nossa alma de canudinho e nos faz acreditar que temos sorte por isso. Poderia levar esse assunto a vários lugares e não nos faltariam pautas em que eu encerraria dizendo “enquanto não pegarmos na foice e no martelo efetivamente…”. Mas não quero ir a lugar nenhum. Estou cansada demais para qualquer coisa.

Dessa vez, eu escrevo apenas para olhar para toda a bagunça que ficou pra escondida nos bastidores enquanto fazia meu espetáculo. Todas as dores, calos e feridas. Todas as vezes que me senti triste, sozinha, sobrecarregada, sem esperança. Todas as vezes que estava mal e me forcei a estar bem porque simplesmente não podia parar. Ou simplesmente porque acreditava que não podia.

Faço isso porque sinto que faltei com compaixão comigo mesma. Por mais que esse tenha sido um ano extraordinário, em que estive rodeada de pessoas fantásticas, reconheço que não me tratei com carinho e afeto. Não me atendi quando meu corpo pediu por uma pausa. Não me respeitei quando minha mente clamava por descanso. Não me acolhi quando precisei de cuidado.

Encerro esse ano, então, buscando reconhecer minha jornada na íntegra. Mais do que celebrar conquistas, quero receber com afeto essa pessoa completamente transtornada, traumatizada e sequelada que chegou até aqui acreditando que poderia ser a Mulher Maravilha.

E para 2023, não espero muita coisa, não. Apenas a possibilidade de conseguir sair do carro enguiçado e contemplar a vista na estrada. Dar um respiro e perceber que a vida é muito mais do que correr em alta velocidade. E também um psiquiatra, é claro. Em algum momento, eu preciso voltar à estrada e vou precisar de um mecânico para consertar esse carro em pane. No caso, esse ser humano em surto. De resto, tudo se ajeita. Pelo menos, espero.

(Peço perdão por quaisquer imprecisões na minha analogia ao carro na estrada. Não sei dirigir. Também não sei o que estou fazendo com a minha vida.)

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Larissa Janelli

Designer em horário comercial e TDAH o tempo todo. Também gosto de escrever, estudar e pular corda.